terça-feira, 24 de agosto de 2010

As aventuras de Arantes na Pensão dos Gatos - Parte 1

Pedirei licença aos que aguardavam uma postagem da já distante visita deste incauto àquela cidade onde, na última semana, a grande mídia brasileira se fartou do sensacionalismo que lhe é característico. Praticamente um reality show a céu aberto - e o mais importante de tudo, sem as crônicas bialescas. Aliás, muito por acaso, lembro que passei algumas vezes em frente ao tal hotel invadido. Mas como havia dito, não me estenderei no tema. Deixarei para continuar depois a postagem "Três vezes Lapa: diálogos de uma noite carioca - Parte 2", que ficou pela metade, salva no rascunho, por conta da urgência desta que inicio agora.

***

À moda lulesca, me sinto obrigado a dizer que nunca antes na história desse país foi tão demorado fazer uma mudança tão simples - vale a hipérbole. Pouco antes de sair de minha passageira hospedagem, lembrei de alguns casos que já pude ouvir, em que algum incauto sai para passar algum tempo curto, a propósito de um curso, trabalho ou turismo qualquer, é recebido por algum anfitrião desavisado e termina por ficar muito mais tempo do que havia prometido. Pois agora faço parte, resguardadas as devidas proporções, desse rol de espertinhos.

Duas semanas depois de minha chegada à terra da garoa (portanto 5 vezes mais tempo do que havia solicitado em minha hospedaria), finalmente consegui encaminhar o que havia me proposto a fazer. Me jogar no imprevisto convívio com um bom número de novos amigos (prefiro esta expressão à comumente usada 'estranhos'). E isso em escala bem maior do que havia imaginado, por conta de minha curta estadia por essas bandas, o que me impediu de barganhar o espaço um pouco mais privativo de um quarto individual, convivendo com algo em torno de duas ou três pessoas.

Diante das opções que me foram postas, fiz aquela opção que me pareceu mais coerente. No longo tempo em que estive bem acomodado em minha hospedaria, saí por vários dias à procura de algo que pudesse cumprir a função de um lar temporário. E não gostei nada do que encontrei. A comparação mais honesta que pude fazer, sem exagero algum, foi com um curral de criação intensiva de gado. Estive em um bom número dessas casas, ora chamadas de repúblicas, ora de pensionatos, onde o valor mercadoria do ser humano causa desconforto a qualquer olhar minimamente criterioso.

Tive o absurdo desprazer de encontrar, em uma dessas "residências", uma garagem dividida (com divisórias de compensado) em dois cubículos de onde só é possível sair na mesma posição em que se entrou. Detalhe importante é que a divisória fora colocada junto ao portão, sem que houvessem tido a mínima decência de levantar uma parede de tijolos para separar o "quarto" da rua. Nos fundos da mesma casa, a área da churrasqueira (também isolada por divisórias de compensado) virou um quarto. A suíte ficava no que seriam as dependências de empregada, não maior do que os cubículos já visitados em tantas casas - mas com a pequena diferença de custar quase o dobro do valor dos demais. E, pela lógica em questão, com toda razão. Em outra das residências, um banheiro servia a algo em torno de 8 pessoas, o que valorizava absurdamente a suíte de luxo. Isso sem falar no artigo mais precioso de todos: paredes de tijolos! Ter uma parede de tijolos é motivo de extrema alegria e, dada a raridade, preços extremos também...

É verdade que estive em alguns que fugiam à regra, mas que eram exatamente isso: exceções! No último dia de buscas, prazo que eu mesmo havia estabelecido, já imaginava que teria de ceder ao absurdo. Visitei mais um apartamento e tive a mesma resposta negativa de que a curta estadia não me autorizava a ingressar naquele espaço. Encontrei um pensionato de um bom senhor, de nome Zarzur, que consistia definitivamente em uma exceção ao que já havia encontrado; mas apesar de bem localizada em relação ao meu principal destino, estava relativamente distante do principal meio de transporte paulistano, o metrô.

Só haviam mais duas visitas e ainda menos esperanças, especialmente porque eu havia perdido o endereço de uma delas. Lembrava parcialmente a localização e, como o desespero já se aproximava, arrisquei uma busca in loco. Depois de algumas voltas, como por um lampejo, me lembrei do número da casa. Mas havia algo errado, não poderia de forma alguma ser aquele o endereço.

Deparei-me com uma grande casa, de muro baixo e a parede de tijolos aparentes, além de um florido, belo e amplo jardim, com algumas das plantas um pouco mais altas que o muro. Havia um grande portão e a área à frente da garagem era suficiente para quatro carros. Um pequeno portão entreaberto, à direita da casa, permitia ver uma parte de um amplo quintal gramado que seguia até os fundos. " - Não pode ser aqui!", disse em voz alta, enquanto atravessava a rua e me vinham à cabeça as imagens dos compartimentos para armazenamento de seres humanos.

Sem pressa e ainda menos esperança, toquei a campanhia. A demora em ser atendido sufocava ainda mais o pouco de esperança que me restava. Algum tempo depois surge uma pequenina senhora, a passos lentos e voz suave, quase inaudível a certa distância. Tomei a iniciativa, como já havia feito em outros lugares...

- Boa tarde, estou procurando uma república que fica por esses lados, a senhora não saberia onde fica, não é?
- É aqui mesmo, foi você que me ligou, não foi?

Posso estar enganado e a discrição da pequenina senhora não me confirmar, mas tenho certeza que arregalei os olhos e demorei algo em torno de 10 segundos para responder - tempo suficiente para que ela se aproximasse e abrisse o portão, me convidando para entrar. Fui apresentado ao local e não tive como não me recordar da imagem da boa avó, com sua enorme casa a receber uma penca de filhos, netos e bisnetos. Tudo era tão cuidadosamente limpo e organizado que não havia qualquer possibilidade de ter outra referência. O quintal gramado era pouco maior do que eu pensava e tinha um grande viveiro, com mais de uma dezena de gatos grandes e gordos.

Fui conduzido ao quarto onde, se aceitasse, dividiria com mais 3 novos amigos. Grande, limpo e organizado, como o resto da casa. Se houvesse caído nas mãos dos armazenadores de seres humanos, certamente haveriam 6, talvez 8 cubículos para estocagem. O banheiro seria desfeito e transformado em outros 3 cubículos, talvez uma suíte de custo exorbitante. Tive uma boa conversa com a pequenina senhora e reservei o espaço, para que pudesse chegar em casa e ter certeza de que não havia sonhado.

No dia seguinte, tive o prazer de descobrir que havia sim encontrado um bom lugar, a um preço justo e bem localizado. O maldito espírito do individualismo ainda me importunava e tive de fazer algumas consultas com amigos para que não caísse em suas garras. Imediatamente fiz o pagamento de minha reserva, para que não pudesse voltar atrás. Desse dia até minha efetiva mudança transcorreram-se outros 4 dias. Havia um bom número de coisas e compras a fazer, que esperavam pela minha decisão de moradia.

Finalmente, às 23 horas e alguns minutos aportei na silenciosa morada. Alguns dos novos amigos terminavam suas atividades de estudo, outros já dormiam. Sentei-me ao computador para entrar em contato com os meus e contar alguma novidade. Precisava da senha para acessar a internet e fiz uma rápida busca pelas redes wireless disponíveis. Foi quando descobri o nome de minha nova morada... Pensão dos Gatos! Poucas horas depois eu dormiria minha primeira noite felina...


No fone de ouvido: A Tribute to Stevie Ray Vaughan - agradecimento especial ao Tio Natan, Ogro-Mor, por me ceder o álbum que embalou esta postagem!

2 comentários:

  1. A propósito, me empolguei no tamanho da postagem... peço desculpas aos que tem preguiça de ler!

    XD

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  2. Boba serena! ja pensasse em escrever crônicas mermao?!?! escreve bem d+..vai te...ehehehehehe
    Então, parece q eu sinto em suas palavras a empolgação dessa nova realidade. E sem dúvida alguma, sei q vou reencontrar um novo Julio Arantes em 3 meses! Aproveita com força sua estadia felina entre "concreto e asfalto"! bjo grande..

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