domingo, 29 de agosto de 2010

Até que o egoísmo nos separe...

Vida de blogueiro exige alguma dedicação mínima para alimentar o espaço virtual, especialmente quando se toma gosto pela coisa. Já não consigo contar o número de assuntos que me circularam pela cabeça como um bom tema a ser tratado, mas que por outros inúmeros motivos não puderam ser compartilhados. Quando algo está se formatando, um novo acontecimento toma a dianteira e grita: eu primeiro! Pois bem, outra vez engolindo as postagens que estavam por vir, relato e reflito sobre algo que aconteceu há uns poucos minutos.

Tenho notado como, em terras paulistanas, os extremos da condição humana estão de tal maneira expostos, que falseamento algum deveria ser capaz de escondê-los. Mesmo aqueles locais mais distantes das periferias são incapazes de fazê-lo. Ainda há pouco saí para cumprir com minha rotina de dono e responsável pelo meu nariz. E pelo meu estômago. Troquei um cumprimento terno com a pequena senhora que responde por minha morada, o que me valeu uma boa dica sobre onde encontrar os pães mais saborosos das redondezas.

Pus-me na direção indicada, no seco e morno final de tarde das ruas do Butantã. Sem que isso significasse ignorar a sugestão que havia recebido, entrei em uma bela padaria, onde algumas pessoas tomavam, com ares de satisfação, um bom café à beira do balcão. Tentador sim, mas mantive meu propósito. Ademais, os preços não eram lá muito sugestivos, dei meia volta, ignorando o cheiro do bom café - e as satisfeitas expressões que me mostravam saciedade não só pelo pão que as alimentava o corpo.

Menos de cinco metros adiante, sob uma marquise já comumente frequentada por toda sorte de errantes desafortunados, avistei um senhor sentado. Não trazia as roupas esfarrapadas daqueles que fazem dali sua cama, levava um óculos no rosto e uma expressão quase indiferente. Ao seu lado, duas mochilas bem arrumadas, ainda que visivelmente surradas. Devo tê-lo observado por uns três a cinco segundos, não mais do que isso, até fixar-me em seus olhos por uma fração.

Segui em frente, lembrando que, horas antes, por pouco não havia tropeçado em um homem de aparência andina, coberto com uma manta barata e pouco eficiente contra o frio. Imaginei se não se tratava de um dos muitos bolivianos, que hora ocupam o posto de grande massa de imigrantes que chegam a São Paulo em busca daquilo que lhes é privado em sua terra natal. Para o alívio temporário dele, o frio deu uma trégua por esses lados.

Antes que eu completasse o pensamento, fui interrompido por um pedido contido, quase cortado pela metade...

- Você tem uma moeda?..

Parei por um segundo, balancei negativamente a cabeça e segui adiante. Estou certo de que a cena não vai sair da minha cabeça por algum tempo. Me transportei para o lado de lá... Durante os três ou cinco segundos que levei para me aproximar, aquele senhor certamente pensou, muito mais do que três ou cinco vezes, em pedir aquela moeda. Talvez tenha desistido quando o fitei os olhos, impossível saber ao certo, mas foi incapaz de me pedir enquanto eu o encarava. Esperou que eu desse as costas, talvez o constrangimento fosse tamanho que não conseguiu articular as palavras.

Talvez não tenha sido nada disso. Impossível saber ao certo. Mas para mim não restou outra alternativa, a não ser pensar sobre algumas questões... Que raio de mundo é esse em que as pessoas se envergonham de se dirigir ao próximo em um momento de necessidade? Que raio de mundo é esse em que, mesmo não necessitando, as pessoas são levadas a fazer da mentira um meio de sobrevivência? Que raio de mundo é esse, feito por humanos, que se opõe à humanidade com tamanha usurpação da dignidade?

Paro por aqui, enquanto as questões são poucas. Preciso de um bom vinho...

PS: postagem ouvindo Abismo, banda alagoana de trash/death metal, cd de ótima pegada e com relevantes temas como os tratados nessa postagem, Until the selfishness tear us apart!

3 comentários:

  1. :'( emocionante e realmente: "q raio de mundo é esse?!" dá medo, instatisfação, falta de chão e perspectiva.

    Esse, pra variar, foi um lindo post...amo essa sensibilidade! Dá um pouco pra mim!


    Parabenes, titi!

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  2. de muita sensibilidade mesmo. reforço o já dito.
    parabéns de com força.

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  3. "Que raio de mundo é esse?"

    São poucos que conseguem perceber que há problemas no mundo, imagina numa situação como a que vc vivenciou esquecer o medo "normal" e se ver como o outro...

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