sábado, 14 de agosto de 2010

Três vezes Lapa: diálogos de uma noite carioca - Parte 1

- Você está sozinho?

A pergunta valeria uma resposta malcriada se fosse em uma situação diferente. O andar para lá e para cá, ora comprando uma cerveja, ora saindo em busca de uma marquise que diminuisse um pouco da chuva que caía sobre a mochila surrada e o moleton estampado com a arte do álbum Black Ice, do ACDC, denunciava a situação insólita sob os arcos da Lapa. Não por falta de pessoas, mas por falta de companhia. Eu não estava mesmo muito empolgado - o relógio ainda marcava 9 da noite e eu esperava um colega que só conhecia por nome e alguns contatos telefônicos, mas que só chegaria por volta das 11 da noite. De modo que dispensei qualquer possibilidade de manter-me sozinho e retribuí o cumprimento, ainda que com alguma reserva...

- Estou esperando um amigo..
- É, eu também, marquei com ele às 10.
- Eu vou esperar um pouco mais, acho que só lá pras 11.
- O que você faz?
- Sou jornalista, e você?
- Administrador, trabalho pra um vereador do PV de Duque de Caxias. Como é seu nome?

Cerca de uma hora depois já havíamos dividido algumas cervejas em lata e conversado um bocado, repetindo o movimento entre as barracas, montadas sob os arcos, para comprar cervejas e as marquises. A chuva apertou por diversas vezes e eu já não estava tão confortável - odeio ficar com os pés molhados dentro do tênis.

- Olha, já são 10 horas, vou pra escaria, marquei lá com esse meu amigo. Você não quer ir também?

O amigo em questão era um alemão muito viajado, que havia saído de casa há cerca de 40 minutos para nos encontrar.

- Vamos sim. Não sei nem se o meu amigo ainda vem, deve estar cansado do trabalho.

O caminho para a tal escadaria passava por uma pequena ladeira que já havia me chamado a atenção desde a primeira vez que a vi. Também já havia passado por ela, descendo de Santa Tereza, mas desconhecia a tal escadaria. Me surpreendi com uma aconchegante rua boêmia, relativamente escondida da vista dos apressados.

Tomamos mais algumas cervejas enquanto eu descobria que a escadaria recebera simbolicamente o nome de seu decorador. Selaron, um chileno que recebia azulejos de inúmeras partes do mundo e, com eles, assentava cada degrau da imensa escadaria. O trabalho soava incompleto, ao que descobri que o tal chileno ainda vive. Mais ainda, pude vê-lo passar apressado sob a chuva, com alguma tela nas mãos, sem que eu pudesse prestar atenção ao seu desenho - eu teria perdido a imagem do autor da obra se o fizesse.

Enquanto isso eu dialogava com meus botões... como é incomum uma situação como essa em lugares como Maceió. Uma noite sem pretensões e sem expectativas, com grande chance de sair frustrada, resultar num começo de uma boa amizade...

3 comentários:

  1. Conheço essa escadaria, é muito legal mesmo... eu diria q foge do cotidiano! Pois é, aqui em MCZ temos algumas particularidades nd agradáveis, essa é uma. Eu vivi esse tipo de interação lá em Buenos, senti as pessoas mais abertas ao acaso. Convidativo, ñ?!

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  2. convidativo sim! tenho tido algumas boas impressões a esse respeito aqui em sampa tb... mas é tema de um post futuro, sem delongas.. hehehe...

    =***

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  3. Se você não se distrai, o amor não chega, a sua música não toca, o acaso vira espera e sufoca, a alegria vira ansiedade e quebra o encanto doce de te surpreender de verdade, se você não se distrai, a estrela não cai, o elevador não chega e as horas não passam, o dia não nasce, a lua não cresce, a paixão vira peste, o abraço, armadilha.

    É preciso viver sem a idéia Ilusória de que somos eternos. Um brinde a força do acaso, ao amor a vida, aos amigos que talves nunca mais vamos ver, ao Selaron, Ao U2.

    Abraço Julio !!! espero encontrar com vc quando for a Macéio.

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