Dia desses, no horário do almoço, eu ouvia a conversa de dois trabalhadores de uma universidade pública com particular atenção. Em primeiro lugar porque o assunto, como era discutido, era em si interessante. Em segundo porque as mesas do Restaurante Universitário proporcionam esse tipo de contato - por sinal, um tipo de contato que tem feito cada vez mais falta à geração internet.
Um aparentava algo em torno de 40 anos, um negro de fala serena, mas firme. O outro, um pouco mais velho, talvez na casa dos 50, era um pouco mais ríspido na fala, tinha a aparência um pouco mais castigada e com um grande óculos de grau de armação antiga. Foi ele quem começou a conversa...
- Tem ido às reuniões do Sindicato?
- Fui na última que teve - respondeu o colega. Ao meu lado estava sentada uma senhora de quase 60 anos, também trabalhadora da universidade, que também prestava atenção ao que diziam.
- E o que foi que discutiram?
Nessa hora, minha atenção havia sido capturada, mas resolvi não participar da conversa, para ver aonde ela levaria. O trabalhador seguiu inquirindo o colega...
- Discutiram alguma coisa sobre carreira?
- Sim, discutiram.
- E aí?
- E aí que eu penso que a categoria já sofreu tanto ataque, que é normal ficar desconfiado do que foi proposto.
Enquanto o colega respondia, lembrei das várias vezes em que participei,
de uma forma ou de outra, de acontecimento parecido, em que alguém se
priva do direito de participar dos espaços coletivos e depois pergunta
aos que foram sobre o que foi tratado. Eu já ia alto em meus pensamentos, lembrando de como os trabalhadores assumem pra si um punhado de ideias que surgem não entre eles próprios, mas daqueles que eles enfrentam, quando o senhor da voz ríspida disparou...
- É, mas tem que ver o seguinte. Tirando os servidores de uma categoria aí, a nossa é a segunda que tem o melhor salário do Estado.
Dois ou três segundos transcorreram até que o homem de voz serena lhe respondesse. O suficiente para que eu ficasse em ebulição, esperando pela resposta. Imaginei um sem número de respostas possíveis, das mais agressivas às mais tangenciais. Como eu responderia àquela afirmação, da qual discordava visceralmente? Discordava não do fato de que aqueles trabalhadores tivessem o segundo maior salário, como ele havia dito. Mas da impregnação ideológica que aquelas palavras carregavam. Fui interrompido pela fala serena e, agora, muito mais firme, do trabalhador negro...
- Isso só foi possível, companheiro, porque a nossa categoria é de luta!
Voltei para casa leve como há vários dias não estava. Não antes de ver o inquisidor recuar no que havia dito e recuperar, em sua própria memória, todos os atos de luta que possibilitaram a ele aquela condição. Quisera eu ouvir algo assim em cada espaço apertado que frequento.
Bom fim de semana!
P.S.: eu sei, fazia tempo que não postava. Não sei se agora estou voltando ou se foi só um rompante, mas enfim... see yah!
Inevitável sensação de deja-vu... (se escreve assim?)
ResponderExcluirA não ser pelo fato de na UFAL geralmente não ter nenhum tácnico que vá nas assembléias pra fazer esse contra-ponto da conversa.
http://entreozdentez.blogspot.com
Nada como os papos que ouvimos (de outras mesas) no cotidiano. Tive uma "discussão" parecida ontem. Independente do tamanho do salário, todos têm o direito de, ao menos, a reposição da inflação para o salário não perder "valor" ao longo dos anos.
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