quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Latinidade

De há muito que a América Latina povoa meus sonhos, fazendo com que, mesmo até hoje não a tendo, eu a deseje. Por ocasião da vida, às vezes esse desejo se senta, pacientemente, até que eu me desvencilhe dos meus impedimentos. Então ele volta. Recentemente, por ocasiões bem distintas, de artísticas a científicas, fui posto em contato com a literatura latino-americana. Então ele arde. Então, mesmo que ainda não a tenha, compartilho o pouco que tenho...

***

Num bairro pobre de Lima, um grupo de mulheres organizou um mercado. Nele havia um gravador e alto-falantes, que apenas o administrador utilizava. Com a colaboração de um grupo de apresentadores, as mulheres do mercado começaram a usar o gravador para saber o que os habitantes do bairro pensavam sobre o mercado, para tocar música nas festas e para outros fins. Até que a censura se apresentou, na figura de uma religiosa que ridicularizou o jeito de falar dessas mulheres e condenou a ousadia de pessoas que, "sem saber falar", atreviam-se a usar os alto-falantes. Provocou-se assim uma crise; durante algumas semanas, as mulheres não quiseram saber mais do caso. Algum tempo depois, porém, o grupo de mulheres procurou os apresentadores e afirmou: "Pessoal, a gente descobriu que a religiosa tem toda razão; a gente não sabe falar, e nesta sociedade quem não sabe falar não tem a menor possibilidade de se defender nem pode nada. Mas a gente também passou a entender que, com a ajuda desse aparelhinho aqui - o gravador -, a gente pode aprender a falar". Desde esse dia as mulheres do mercado decidiram começar a narrar suas próprias vidas; deixando de usar o gravador apenas para escutar o que os outros diziam, elas passaram a usá-lo para aprender a falar por si próprias.

- Jesus Martín-Barbero

2 comentários:

  1. para rebater as belas palavras do barbero, trago uma pequena crônica do Galeano, ótima pedida, já que o tema é AL. Lá vai:

    A UVA E O VINHO
    Um homem dos vinhedos falou, em agonia, junto ao ouvido de Marcela. Antes de morrer, revelou a ela o segredo:
    - A uva - sussurrou - é feita de vinho.
    Marcela Pérez-Silva me contou isso, e eu pensei: se a uva é feita de vinho, talvez a gente seja as palavras que contam o que a gente é.
    (livro dos abraços)


    :)

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  2. Oi, Júlio,

    Conheci o blog através de um outro blog, a do cepcom-Comulti-AL. Participei do encontro sobre economia política na comunicação, no Linda Mascarenhas.

    Resumindo: assisti a todas as apresentações,depois acessei o blog do grupo de pesquisa, daí vi teu blog e, curiosa como sou, fui fuçar a tua página!

    Quanto a acompanhar o meu "blog", acho que não é um bom negócio, não! rsrsrs

    É que, ultimamente, ando muito, e coloca muito, dispersiva.
    E logo agora, que tenho que estudar uns textos para uma seleção de pós. Pense no sufoco: Saussure,Bakhtin, Labov, Pêcheux...

    Por enquanto, só alguns fragmentos de mim! Tentei colocar uns clipes, mas ainda tô apanhando do blog.

    Devo colocar um outro fragmento de mim ainda hoje! Quem sabe se juntando esses fragmentos eu consiga me encontrar um pouco? Lá vou eu com minha filosofia de botequim!!rsrsrs

    Abraço

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